quarta-feira, 2 de julho de 2014

indecisos anónimos

Passei os últimos 2 dias a aprender sobre escolhas e a tomada de decisões. Como indecisa inveterada, este é um tema que me interessa. Deparamo-nos com imensas escolhas ao longo da vida, umas mais importantes que outras (a sociedade de consumo assim o permite), mas o que é facto é que temos imensa "liberdade de escolha": podemos e devemos tomar decisões sobre tudo. 

A primeira coisa que aprendi na minha "demanda" foi que, quando a vida nos apresenta uma escolha difícil, está na verdade a dar-nos uma oportunidade de decidir quem queremos ser. Se nos oferecem um trabalho novo e ficamos dias a pesar os prós e contras, matamos a cabeça com a dúvida sobre qual será o caminho certo, é tempo de parar. Não há um caminho certo, há apenas o caminho da nossa vida - a escolha sobre quem queremos ser. Não há respostas erradas, por isso podemos respirar de alívio. Podemos? 

Seria muito bonito mas, para algumas pessoas (eu incluída), tomar decisões sobre a sua própria vida é muito complicado. Mais uns quantos vídeos e aprendi que isso pode dever-se ao facto de que o nosso Eu não é necessariamente APENAS o eu, mas incluir também as pessoas que são importantes para nós. Ou seja, quando tomamos uma decisão difícil sobre a nossa vida (e sobre quem queremos ser), alguns de nós incluem, como parte integrante do seu Eu, as suas pessoas mais próximas. O que é que os meus pais, o meu namorado, os meus amigos pensariam desta escolha? Logo, escolher é (para alguns, como eu) um acto inclusivo, de um Eu colectivo, o que chama a si mesmo uma série de variáveis e dificulta, ainda mais, a escolha.

Pessoas que vivem "em função" dos outros (ou têm muito em conta a opinião dos outros sobre as suas próprias escolhas) podem ser apelidadas de fracas, burras, ou mesmo "anhadas" (essa pérola da nossa sempre-evolutiva-língua). Mas na verdade podem apenas ter sido habituadas a ter um Eu inclusivo e simplesmente não conseguir tomar algumas decisões individualmente. O que me leva a perguntar: porque é que nos é exigido escolher sobre temas que não dominamos? Porque saber escolher faz parte de ser adulto. Será? Vejamos um exemplo concreto recente. E se eu tiver à minha frente umas dezenas de máscaras africanas numa feira, querer comprar uma, mas não perceber patavina daquilo? Junte-se à equação a "pressão" dos que me rodeiam, do meu Eu colectivo, e está criada a receita para o desastre. Torna-se especialmente difícil sequer perceber, sentir de que máscara é que eu gosto mais. O que nos leva à terceira coisa que aprendi.

Escolher perante uma grande diversidade de opções provoca necessariamente sentimentos de frustração na pessoa que escolhe. Isto porque não há apenas uma escolha acertada - todas as opções, geralmente, apresentam vantagens - pelo que, independentemente da escolha, podíamos sempre ter ficado "mais bem servidos", dependendo do valor que damos às vantagens das coisas que optámos por não escolher. E quem é o responsável pela nossa frustração? Nós próprios, porque fomos nós que, ao fazer uma escolha, deixámos as outras de fora. E agora? Não se pode escolher tudo, temos de escolher só uma ou duas, ou TRÊS (red alert!! não sabes escolher!) máscaras. Em que ficamos? Somos indecisos, fracos, pouco perspicazes. Se uma pessoa for perfeccionista então, escolher, ou tomar decisões, é um pesadelo. Não há desculpa para falhar quando tínhamos tantas opções disponíveis... e uma escolha "errada" é inteiramente da nossa responsabilidade. Logo, somos um falhanço.

A diversidade de opções e a dificuldade em lidar com as escolhas que ficam de fora leva-nos a cair na situação infeliz de NUNCA estar inteiramente satisfeito. Quando escolhemos fazer qualquer coisa, podíamos estar a usufruir das vantagens de ter escolhido outra. Isto acontece-me frequentemente. E com alguma frequência também sinto que não estou a dar 100% de mim quando fui eu que optei por fazer o que estou a fazer. No trabalho estou bem, estou aqui porque me mandam e faço o que me mandam. Mas se pudesse optar, estaria provavelmente um pouco pior. Os fins de semana são por isso, especialmente martirizantes. Se estou a ver televisão podia estar a jogar computador. Se estou a jogar computador podia estar a dar um passeio. Se como hidratos podia estar a comer salada. Se como peixe grelhado podia estar a comer hidratos, porque afinal até é fim de semana e a pessoa tem direito a relaxar. É esgotante.



É muito difícil ser-se indeciso. Mais difícil ainda é ser-se julgado por não "saber escolher". A solução será evitar a escolha e deixar que decidam por nós? Isso será tido como um acto de enorme cobardia perante todos os que não padecem deste mal. Mas em alguns casos será, certamente, a melhor escolha. Só vos peço que  a façam por mim - de bom grado abdico de algumas escolhas, mas façam-no por mim, para que não tenha de ser eu a fazer essa escolha.

segunda-feira, 19 de maio de 2014

o conforto da lama

As eleições europeias estão aí, mas atrevo-me a dizer que a maioria das pessoas não sabe, ou não quer, votar. A perda de fé nos partidos é um sentimento generalizado, mas em vez de provocar uma reacção nas pessoas, é apenas mais uma desculpa para a inércia. Já ninguém acredita em ninguém, dizem que é tudo farinha do mesmo saco. Alternativas? Não têm. Não acreditam que já tenha chegado o momento de fazer algo. Estão à espera de que alguma coisa mude, mas não sabem bem o quê. Têm esperança de que alguém faça qualquer coisa mas, enquanto esperam, vão deixando acontecer.

Estamos perante uma epidemia de apartidários e de pessoas que não tomam posição sobre nada. Até nas coisas mais básicas são inertes - quantos portugueses ainda abastecem nas grandes gasolineiras apesar de saber que são elas que se aproveitam das oscilações no preço do petróleo para aumentar preços e nunca os voltar a descer? Quantos portugueses ainda compram no Pingo Doce apesar de ser do conhecimento público que a empresa paga parte dos seus impostos na Holanda? A resposta é sempre a mesma: «não vale a pena, vamos ser roubados por uns ou por outros». Não vale a pena. E eu pergunto: então o que raio é que vale a pena?

Não vale a pena ter a dignidade de ir comprar a outro lado e não ser sodomizado por um gigante económico que está a sugar o País? Não vale a pena ter a responsabilidade de ir votar e pelo menos tentar que vingue uma linha ideológica com a qual nos identificamos?

Não tomar posição sobre nada deve ser altamente confortável. Eu considero-o embaraçoso, mas presumo que, para quem assim é, seja confortável. Fingimos que não se passa nada, ou que tudo o que se passa não se deve a nós. Mas nada disso é verdade - as pessoas devem pensar nas consequências do deixar acontecer, porque foi precisamente por causa do "deixar acontecer" que a democracia chegou onde chegou. E em vez de esperar - pelo atentado à bomba que mate aquela cambada toda, ou pelo salvador da pátria que há de chegar e nos livrar desta escória toda, ou da revolução que alguém há de fazer e criar um sistema que nos livre desta corrupção toda - tomar posição. Sobre tudo e mais alguma coisa. Ser "cidadão" não serve apenas para receber subsídios ou para ter tema de queixume nos almoços de família aos domingos. Ser cidadão vem com responsabilidades que têm de ser cumpridas: informarmo-nos sobre o que se passa no país em termos políticos, económicos, sociais - e tomar posição.

Só essa tomada de posição é que pode garantir a defesa da democracia. Por isso eu digo: votem, assumam a vossa responsabilidade, assumam o vosso papel enquanto cidadãos, enquanto pessoas donas do vosso próprio futuro e do dos vossos filhos. E tomem posições, opinem, defendam argumentos, informem-se. No fundo, recusem ser um verme! Ou qualquer coisa mole que se arrasta nas ruas, sem ideais, sem acção, um queixume personificado, inconsequente e vazio.

terça-feira, 13 de maio de 2014

viver na bolha

Ultimamente tenho iniciado o dia na companhia de Carne Ross e do seu The Leaderless Revolution, uma obra genial sobre a força que cada indivíduo tem para mudar o mundo. E dei por mim convencida de que ia mudar o mundo. Baby steps, mas ia. Um dos primeiros passinhos deu-se pouco depois de ouvir o comboio dizer a minha estação e fechar o livro. Entrei numa reunião. Ia falar-se de "mudança". 

Falei sobre o que tinha lido - que a verdadeira mudança numa empresa implica a redistribuição de riqueza de forma mais justa: entre acionistas, administradores e colaboradores. Não é justo que os administradores ganhem, por mês, cinquenta vezes mais que eu e cem vezes mais do que muitos (mesmo muitos) colegas meus. E afinal, as empresas têm de perceber que, ao eternizar o sistema, matam o sistema. Os ricos não podem continuar a ser cada vez mais ricos e os pobres cada vez mais pobres. Ou não haverá ninguém que compre aquilo que enriquece os ricos. É tão simples. 

Mas a resposta foi o medo. A minha conversa sobre "redistribuição" foi entendida como sendo sobre "expansão", quando tudo o que ser quer agora é "redução". O medo ali, palpável. A fusão entre empresas faz com que certas funções se tornem redundantes, e todos sabemos o que é que isso significa. 

O medo, realmente, paralisa. Talvez tenha sido por isso que as minhas interlocutoras se apressaram a dispensar a ideia. A "transformação" que foram contratadas para fazer não inclui ("para já, para já"), redistribuição. Inclui bom ambiente, palmadinhas nas costas, bebidas gratuitas em fins de tarde animados, de dois em dois meses p'rai. 

A língua em que Carne Ross nos escreve tem uma palavra para isso: bullshit. Mas as pessoas são assim. Vivem numa bolha. E as coisas más só acontecem aos outros, não lhes dizem respeito.


Eu acredito que (backspace, backspace, backspace) eu sei que podemos mudar o mundo. O estado da situação (ou a situação do Estado) deve-se ao mau funcionamento de empresas privadas e à usurpação do poder do Estado, através dos impostos, para as salvar da falência e garantir o estilo de vida dos seus administradores. 

Ora, se o privado é a doença, também pode ser a cura. Foi nessa perspetiva que eu abordei as minhas interlocutoras, depois de ler os exemplos que Ross dá sobre empresas que resolveram redistribuir lucros de forma mais justa pelos colaboradores e tiveram crescimentos brutais. Acredito que quando dois ou três conselhos de administração se aperceberem de que, para continuar a ganhar, têm de parar e dar, haverá uma reação em cadeia que pode mudar a forma como se empregam pessoas. Maior riqueza gera maior consumo e os pobres de repente têm outra vez dinheiro para comprar aquilo que enriquece os ricos. 

O problema já não é só político, é principalmente económico, é de gestão empresarial. Basta olharmos para a capacidade que os políticos de hoje têm para inspirar as pessoas (zero) e a facilidade com que certas marcas o fazem. Portanto é isso... claro que vou continuar a votar, a discutir e a denunciar certas situações junto do meu círculo mais próximo - no fundo, continuar a tentar educar-me politicamente. Mas as pessoas andam à volta com a política, como se tivessem um cubo mágico nas mãos e não conseguissem resolvê-lo por mais voltas que dessem - em quem hei de votar, são todos iguais, são corruptos, são mentirosos, põem para o bolso, etc etc... E eu acho mesmo que a resposta passa pelo Privado, pelas empresas. São elas que mandam no mundo (para já, para já...) Ignorar isto é, no fundo, o mesmo que fingir que, para transformar uma empresa doente por dentro, basta pintar as paredes e decorá-las com umas frases giras.

quarta-feira, 2 de abril de 2014

o engano da digimortalidade

Diz-se que vivemos tempos apressados, numa espiral imensa que nos desliga uns dos outros. Os nossos círculos de amigos e familiares reduzem-se, as relações humanas escasseiam. E, num movimento inverso a essa espiral, as relações que sobrevivem adensam-se, tornando-nos dependentes, frágeis. Agarramo-nos ao que nos resta de humano. 

Lugar comum: nunca estivemos tão sozinhos, mas nunca estamos sozinhos. O smartphone e o computador são janelas abertas sobre o mundo (outro lugar comum), que nos trazem a companhia virtual de amigos, conhecidos e followers. O silêncio desconfortável da espera pelo comboio pode ser anulado com um "swipe to unlock". A manhã desocupada no escritório, preenchida por likes e shares.

Não estamos sozinhos e apreciamos o conforto limpo da tecnologia. O que se perde em subtexto ganha-se na sensação de pertença e no preenchimento do Eu, na expressão da nossa individualidade. Isto gosto, isto não gosto, isto gosto tanto que tenho de partilhar.  Isto sou Eu, existo em exibição ao mundo, em direto. Não vou publicar isto agora, que as pessoas estão a jantar. O meu público é meu amigo. E os meus amigos tornaram-se o meu público.

Porque encontramos tanto conforto na tecnologia? Ela, em si, não é nada. É apenas tanto quanto os conteúdos que lá veiculamos. E ao não ser nada, é tudo. Não desilude, é sempre nova, funcional, imediata, transparente, etérea. Os nossos corpos envelhecem e morrem, mas o iPhone há de ter uma nova versão, qual elixir da juventude que nos renova o espírito. E enquanto acompanharmos a evolução, adiamos a morte. Somos digimortais. Atingimos a glória, fazemos História, estamos impressos para sempre na rede e em rede. É tão fácil. Não temos de ser no mundo, basta-nos parecer, no virtual. 

Petições, partilhas, assinaturas. Fazemos tão pouco que nos preenche tanto. Sou comentador, crítico de cinema, ativista. Na sanita, no sofá, ou no assento do autocarro. É fácil sentirmo-nos especiais, reivindicativos, revolucionários. 

A revolução digital trouxe-nos coisas boas, este texto não pretende ser uma crítica ou um olhar nostálgico sobre o "antigamente". Mas a verdade é que a tecnologia não nos preenche, pois só pode ser aquilo que nela imprimimos. Como tal, é apenas uma distração, da Vida e do que realmente importa. Um paliativo numa sociedade que, ao ligar-se à rede, desligou-se da realidade.

quarta-feira, 19 de março de 2014

ao meu novo pai

As efemérides servem para nos lembrarmos de coisas importantes. Há quem argumente que são inúteis porque o Natal é todos os dias, o dia da Mulher também o devia ser, tal como o dia da Árvore e por aí fora. Mas não. Não é todos os dias que nos lembramos da luta pelos direitos das Mulheres, nem de sermos especialmente amigos do próximo, nem de plantar uma árvore. É por isso que estas datas até fazem sentido, para mim. E é por isso que faz todo o sentido celebrar o dia do Pai. 

Comecei o dia a lembrar-me dos meus pais. Sim, tenho dois: um biológico, que esteve comigo até aos 9 anos, e um não-biológico, que me acompanhou daí para a frente. O meu pai biológico mudou-me as fraldas, aturou-me choros, acompanhou-me durante meses de internamento no hospital, quando tive de ser operada. Ensinou-me o que é ser criança, o que é o amor entre um casal (a sua versão disso), o que é importante num ser humano e aquilo que eu devia aspirar a ser. Ensinou-me as primeiras palavras, gravava a minha voz de bebé em K7 (a dizer "lula" em vez de "lua" por exemplo) enquanto apontava nos livros as coisas deste Mundo. Ele dizia e eu repetia. A lua, os mamíferos, os astros, os insectos. Com o meu pai biológico convenci-me de que queria ser veterinária, bióloga ou seguir uma carreira qualquer na área das ciências. Devo-lhe a vida, os olhos castanhos, o nariz empinado... e uma nuvem melancólica que me acompanha, e de que eu até gosto.

Depois surgiu o meu pai não-biológico. Inicialmente foi mal recebido, com gafanhotos na sopa e picos de roseira postos à socapa dentro dos sapatos. Mas depois começou a ensinar-me coisas. Ensinou-me o que é o verdadeiro amor entre um casal (e a sua versão disso é tão melhor do que a que eu conhecia). Ensinou-me História, Filosofia, Política, Arte, Ética. Ensinou-me, ó criatura de deus, a ter princípios, a manter a coluna vertebral direita e odepois a não deixar que me ponham a pata em cima. Ensinou-me aquilo que é importante num ser humano e aquilo a que eu podia aspirar a ser. De repente, resolvi ser jornalista. 

Não gravou vídeos com a câmara de filmar, em que eu andava, macambúzia, às voltas num ringue de patinagem. Não gravou a minha voz num leitor de K7. Mas juntos palmilhámos as ruas de Dublin parecias um gafanhoto, tão magrinha que eras, os dois ainda quase desconhecidos, a tornarmo-nos amigos. E todas as fotos que me tirou foram sorridentes.  

Ao meu pai não-biológico devo tudo o que tenho de bom. Pragmatismo, determinação, coragem. Foi uma presença firme, calma e positiva na minha vida. Por isso, neste dia e nesta altura em que se discute a coadopção e a importância da "família tradicional", é importante para mim dizer, ainda que seja num post altamente pessoal e lamechas, que a verdadeira família não é aquela que nos concebe - é a que nos acompanha e acarinha, seja do nosso sangue ou não. A maioria dos meus familiares são estranhos para mim. O meu novo pai não. Foi das melhores coisas que me aconteceu na vida. Conheço-o e ele conhece-me. E gostamos imenso um do outro. 

quarta-feira, 12 de março de 2014

Tatcher e a falácia do conservadorismo

Neste fim de semana vi finalmente A Dama de Ferro, um filme em que Meryl Streep tem (again) uma interpretação notável. Além de me deixar a pensar na solidão da velhice - uma solidão física mas também mental, já que ninguém parece compreender-nos e deixamos de falar a língua do mundo - fez-me refletir sobre o Conservadorismo como política, ou sobre a ideologia de Direita em geral. Sempre tive dificuldade em compreender como é que alguém pode pensar assim e defender aquelas ideias. O filme ajudou a clarificar isto, mas reforçou o meu assombro.

Pelo que percebi, Margaret Tatcher acreditava que o seu país devia sacrificar uma geração ou duas em nome do "bem maior". Havia que fazer sacrifícios, cortes e aumentar impostos, além de adotar políticas altamente competitivas de forma a fazer a economia crescer e o país prosperar, a longo prazo. A senhora, embora cheia de boas intenções, estava (a meu ver) completamente errada. De facto, esta visão choca com um princípio básico da condição humana: só vivemos uma vez.  

Dado que só vivemos uma vez, não é possível governar um país exigindo o sacrifício de vidas ou de condições de vida da população. Sim, queremos todos um país mais próspero, mas não, não pode ser à custa de que fulano ou sicrano (ou uma geração ou outra) vivam menos bem. Isso é de uma injustiça abismal. Quem me diz a mim que os nossos netos merecem o meu sacrifício? Que esta geração merece menos que a próxima? Que não entramos na rota de colisão de um cometa e morremos todos entretanto? Tem de haver um equilíbrio. Governar o Presente, pelas pessoas de hoje ainda que com um olhinho no futuro.

Mas os governos atuais parecem só saber fazer duas coisas: ou governam sem ter o futuro em conta, num desrespeito pelo nosso Planeta que põe em causa as próximas gerações; ou governam sob o pretexto de um futuro melhor, ignorando as condições de vida atuais, de quem sofre. 

No fundo, Tatcher, que se orgulhava de conhecer a realidade dos Ingleses (sabia o preço do leite e da manteiga nos supermercados), vivia na redoma da fama, do poder e do dinheiro. O único sacrifício que teve de fazer foi algo de somenos importância para ela (a vida familiar), pois na verdade nunca lhe faltou nada. Ignorou o valor fundamental da igualdade entre os seres humanos, sob o pretexto de que uma sociedade não deve ser nivelada por baixo: cada um deve fazer tudo o que estiver ao seu alcance para prosperar e quem não está neste barco ou não souber nadar, afoga-se. Ora quando falta a um governante algo tão básico e humano como a empatia, o resultado só pode ser a revolta generalizada e violenta. A não ser, claro, em Portugal.

domingo, 9 de março de 2014

Tatuagens: 5 regras básicas

A tatuagem está na moda. E com cada vez mais Portugueses a avançar para as agulhas, seria de esperar uma melhoria generalizada em termos de qualidade. Mas continuamos a ser atendidos como carne para canhão em muitos estúdios e a torcer o nariz perante algumas aberrações que vemos na rua. 

Por um lado, isto deve-se aos profissionais em si: ser tatuador tornou-se extremamente apelativo, em termos de salário e de estilo de vida. Os estúdios propagam-se como cogumelos, à revelia da experiência, condições de higiene e talento de quem abre as portas. Por outro, deve-se aos próprios clientes: o desconhecimento total do "mundo da tatuagem" leva a que a esmagadora maioria tenha níveis de exigência muitíssimo baixos em relação ao que lhes é posto na pele. Simplesmente nem sabem que poderiam ter muito melhor (melhor = algo que lhes agradasse muito mais) e avançam para o estúdio mais barato ou que esteja mais perto de casa.

São raras as pessoas que hoje não "pensam em fazer uma tatuagem". Todos têm uma ideia, ou várias, mas não sabem o sítio do corpo onde a encaixar; ou sabem que gostavam de ter qualquer coisa (na nuca, no fundo das costas, talvez uma frase nas costelas), mas não sabem bem o quê. Para os que realmente decidirem levar a ideia por diante, depois de meses (ou anos) de ponderada consideração (espero), aqui ficam as minhas 5 regras básicas, antes de partir para a ação:

1 - Escolher um estilo. Atrevo-me a dizer que a maioria das pessoas desconhece que existem vários estilos na arte da Tatuagem. Pensam que "um dragão nas costas" é informação suficiente para qualquer tatuador chegar a algo que os satisfaça plenamente. Acontece que um dragão (ou outra coisa) pode ser desenhado de mil formas diferentes, pelo que convém ao cliente perceber o estilo que pretende: quer um dragão realista? Uma coisa mais "dark" ou mais para o "cartoon"? Tribal? Old School? Japonês? Neo Tradicional? Pois. Mesmo que não se conheçam os estilos pelo nome, é obrigatório ver o trabalho de vários tatuadores e perceber que estilo de desenho e cores gostam mais. Comprem o Anuário Tattoo & Piercing deste ano ou dos anteriores (uma revista à venda nas papelarias) e percebam, sintam, o que gostam mais. E é para toda a vida...

2 - Escolher um tatuador. Depois de se optar por um estilo, vamos à procura do melhor artista dentro desse estilo. Não vamos tatuar com o Zé Manel Old School se queremos um dragão japonês. Isto leva-nos a um ponto interessante. A diferença entre um artista e um copista. Há bons desenhadores que não tatuam muito bem. E há tatuadores experientes com técnicas espetaculares, mas que não desenham nada de raiz, só copiam as fotografias que lhes levamos da Internet! E depois há aquelas pérolas raras: o artista que desenha uma peça única, pensada especialmente para cada cliente, e depois a tatua na perfeição. Se o que querem é algo específico e concreto (uma Betty Boop, um Bugs Bunny, o símbolo do vosso clube, etc), escolham um bom copista. Se querem tatuar "um conceito", uma ideia que pode ser transmitida de várias formas, escolham um artista (lá está, dentro do estilo que previamente escolheram para a peça). Como perceber isto? Perguntem a cada tatuador qual é a sua forma de trabalhar. É "traz-me o desenho" ou "fala-me sobre a tua ideia"? E se não vos agradar, fujam. Trust me, já tive arrependimentos nesse campo e paguei sempre balúrdios pelas minhas tatuagens. A reter: não tatuem nada sem ter na mão o rascunho completo. Isto aplica-se a todas as tatuagens, das mais simples às mais complexas (mesmo uma manga, ou as costas todas, ou algo em que vos digam "vamos vendo conforme formos avançando"). Não. Vejam o resultado final (ou pelo menos aproximado) todo, antes de começar. Já caí nesse erro. Outra: as agulhas são abertas à vossa frente. Alguma coisa caiu ao chão (sejam agulhas ou outras partes lá das maquinetas deles)? Manda fora e abram uma nova. O estúdio tem mau aspecto? Há crianças na zona de trabalho? Há animais? Os acidentes acontecem. Fujam.

3 - Pensar bem no sítio do corpo a tatuar. A tatuagem deve complementar e enaltecer uma zona do corpo. Não deve ser um mamarracho que distorça as nossas linhas naturais quando a vemos. Por exemplo, tatuar uma flor enorme e cor-de-laranja no peito esquerdo? Má ideia. Vai parecer um crachá. Optem por formas que encaixem bem na zona do corpo, por simetrias, ou pelo menos tenham em conta regras básicas de harmonia. Atenção também ao tamanho das peças. É impossível pedir algo super detalhado numa zona pequena: vai acabar por transformar-se num borrão. Mais uma vez, observem o tatuador. Se for bom, vai aconselhar-vos nesse sentido. Se só quiser fazer dinheiro, diz que vos tatua a família inteira na nuca. Fujam. 

4 - Saber quanto custa. Há tatuadores caros, baratos, e depois há aqueles que não vos dizem quanto vai custar. Principalmente se for uma peça grande, feita em várias sessões, exijam saber o valor máximo que pode atingir, antes de começar. Isto pode parecer básico, mas falar de dinheiro é sempre desagradável, ainda por cima quando se trata de uma coisa tão "espiritual" (para alguns) como é fazer uma tatuagem. Por isso é fundamental definir, pelo menos, um teto máximo para o preço, independentemente do número de sessões que venham a ser necessárias. Se o tatuador não vos "souber" dizer, fujam. Ou exijam. Se pagam, têm o direito a saber quanto, com antecedência.

5 - Conhecer os requisitos físicos e o processo de cicatrização. Newsflash: fazer tatuagens dói. É tolerável, dependendo sempre do sítio do corpo e da duração do massacre. Mas ao fim de 2 a 3 horas no máximo vai doer, e muito. O vosso corpo vai ficar tenso, poderão sentir frio, ter espasmos em sítios estranhos (a minha perna direita ganha vida própria quando estou a tatuar os braços) e estão a perder sangue, por isso podem em até cair para o lado. Falem com o tatuador durante o processo, avisem se estiverem zonzos, cansados ou com fome! É fundamental comer bem antes (não estou a dizer para se empanturrarem), fazer intervalos para comer e beber, e comer bem depois. E dormir, muito. O processo de cicatrização é chato, incómodo e mesmo doloroso nos primeiros dias. É obrigatório seguir as instruções do tatuador. Ele diz-vos que isso "tanto faz"? Fujam. Ou ignorem-no e sigam esta receita simples: película aderente durante 3 a 4 dias (sim, SEMPRE, mudada de 12 em 12h); ao mudar, lavar a tatuagem com água fria ou morna e sabonete de glicerina (ou só com água); e pôr uma camada fina de Bepantene Plus antes de enrolar a ferida outra vez em película. Depois do período da película, aplicar Bepantene várias vezes ao dia durante mais 3 semanas.

E é isto. Tenho a certeza de que haverá muito a fazer do lado dos profissionais, mas deixo os meus dois tostões aos que estão do lado do cliente, como eu. Se tiverem pontos a acrescentar, sou toda ouvidos.