quinta-feira, 1 de outubro de 2015

Votar contra a coligação? A verdadeira questão.

A escassos dias das eleições, penso que as pessoas devem colocar-se uma questão, que não tem passado pela comunicação social (os motivos desta ausência também vale a pena discutir, mas não hoje). É uma questão um bocadinho mais profunda do que aquela sobre as contas, quem chamou a Troika ou que pizza Sócrates encomendou. Diz respeito a todo o modelo de sociedade em que vivemos. Pois (muita gente ignora mas) é ele que está em causa, em cada momento de eleições.

Portanto, importa perguntar: acreditamos no sistema socioeconómico tal como ele hoje funciona? Sim ou não?

Sim,
acreditamos estar certo que o dinheiro que existe no mundo seja emprestado a juros aos países, para pagar os juros de empréstimos anteriores. Porque isso é um negócio (dos bancos) e os negócios devem fazer-se sempre em liberdade. Acreditamos que é esse o caminho porque os países do séc. XXI funcionam assim, todos têm uma conta corrente de dívida, que se vai pagando. São assim as leis do mercado e o mercado tem de funcionar. Acreditamos ainda que, se as pessoas trabalharem, pagarem os seus impostos e viverem uma vida relativamente modesta, permitirão ao Estado o pagamento de parte dessas dívidas, garantindo assim a credibilidade suficiente para contrair outras. Disto resultará o meu sucesso pessoal e o do país, pois é assim que as coisas vão avançando de forma estável e continuam sempre mais ou menos na mesma. Acreditamos que o esforço de cada um, o talento e o mérito, independentemente de se vir de um berço de ouro ou de um bairro problemático (esses só têm é de se esforçar mais), é suficiente para que todos os cidadãos possam dar a volta à sua vida, não passar dificuldades e até atingir lugares de topo. Por isso, o Estado deve passar o mais possível as rédeas aos privados e intervir o mínimo na economia, e em consequência, na vida das pessoas.

Não,
não acreditamos nisso da meritocracia, pois sabemos que as pessoas que "nascem em bairros problemáticos" têm 1 hipótese em 100 de subir na pirâmide social. Não acreditamos que o modelo da "dívida eterna" seja viável, porque enquanto os países estiverem presos a ela, não vão conseguir crescer nem terão a possibilidade de gerar melhores condições para os cidadãos. Acreditamos que o nosso dinheiro pode ser canalizado, não para o negócio da dívida, mas para a produção - de coisas que podem ser vendidas, de ideias que podem ser exportadas - e para a melhoria das condições de vida no país. Acreditamos que há alternativas a este modelo económico, que a dívida pode ser negociada (sem necessariamente se sair do Euro ou da UE) e que pode estancada. Como? A dívida pode ser paga sem pesar nas contas das famílias, porque o dinheiro pode ser cobrado aos mais ricos, sejam eles particulares ou empresas. Acreditamos num novo caminho, em que a riqueza dos cidadãos que compõem um país é distribuída de forma mais justa, cobrando mais impostos e mais taxas, não a todos de forma indiscriminada, mas a quem tem muito mais dinheiro. Só assim aumentamos as hipóteses de todos os cidadãos, em pé de igualdade, poderem explorar o seu potencial, alcançar mais e ter uma hipótese real de construir o seu sucesso e o do país.

A esta questão estão ligadas muitas outras, sobre os direitos e deveres das pessoas e sobre o âmbito de atuação do Estado. Mas acho que a questão fundamental é esta. Concordam ou não concordam com o sacrifício das condições de vida desta geração (e das próximas) a bem do pagamento da dívida e da manutenção do sistema económico tal como está?

Quem vai votar na coligação deve ter noção daquilo em que vai votar. Das consequências para si, mas também para os seus irmãos. Ponham a mão na consciência e lembrem-se que rezar umas avé-marias antes de adormecer não alimenta as pessoas que o vosso voto vai condenar. Ou, se isso for algo que nem vos preocupa, pensem ao menos que a qualquer momento o jogo pode virar e podem ser vocês ou os vossos filhos a estar nessa posição.

Quem vai votar na Esquerda (a verdadeira esquerda ou aquela que tem uns deputados de esquerda e outros que só querem manter o tachinho) ao menos não tem medo da mudança. Mais, sabe que a mudança é urgente, para curar uma sociedade que está doente, uma sociedade em que os que tiveram menos sorte na vida colhem as migalhas dos que se banqueteiam de forma imoral nos lucros não taxados dos negócios que herdaram no seu berço de ouro. Isto tem de acabar.


segunda-feira, 3 de agosto de 2015

O casamento do ano


Portugal assistiu ontem ao casamento do ano. Foram gastos 500 mil euros para celebrar a união de um casal que vale mais de 500 milhões. Dezenas de polícias foram contratados para garantir a segurança da ocasião, fechando ruas e condicionando a vida das pessoas. O museu Serralves foi encerrado para dar lugar à boda. Uma ilha grega foi oferecida como prenda de casamento aos noivos.

Os meios de comunicação social, de um lado jornalistas, de outro comentadores em programas de entretenimento, fizeram a cobertura do evento conforme se esperava. Nos telejornais comentou-se o aparato policial e alguma insatisfação dos moradores perante o transtorno que tudo aquilo causara. Já nos programas da manhã, completou-se o esquema: comentou-se o vestido, a festa, as personalidades, mas, mais importante que tudo isso, amestraram-se as massas. Sobre a exuberância da festa disse-se que Jorge Mendes «é um homem rico e trabalhou para isso, tem o direito de fazer o casamento que quiser». E sobre as queixas relativas ao aparato policial, ou sobre as opiniões mais críticas sobre essa mesma exuberância, disse-se «a inveja é uma coisa muito feia».

Vale a pena perder dois minutos para pensar sobre isto. Jorge Mendes tem, de facto (e como qualquer pessoa), o direito ao casamento que mais lhe aprouver. Deve ser maravilhoso receber uma ilha, ter um vestido deslumbrante que ainda por cima serve de montra para a marca de roupa de luxo que a noiva acaba de lançar. Deve ser espetacular juntar 500 pessoas para celebrar o casamento, ainda por cima em Serralves. Nada contra, mesmo. Não fosse o facto de ser, também, um fenómeno de ostentação pura que, nos tempos que correm, é simplesmente imoral. 

500 mil euros é um valor a que 99% da população Portuguesa não pode aspirar a juntar ao longo de uma vida inteira. E foi o preço de um dia de festa. Deixem que este pensamento amadureça uns segundos nas vossas mentes. A ilha que foi oferecida como prenda de casamento pertencia à Grécia. Pensem sobre isto. Ter uma opinião menos boa sobre o casamento, e reconhecer o que ele representa para além do conto de fadas, não é ter inveja. É ter consciência social. É saber reconhecer a injustiça e a desigualdade brutal.

Ninguém pede (muito menos eu) que Jorge Mendes tivesse reconsiderado a pompa do seu casamento, só para não esfregar na cara de 99% dos portugueses que nunca na vida poderão aspirar a algo que sequer se assemelhe àquele estilo de vida. O que vos peço é que reconheçam que este é um sintoma de uma sociedade que está profundamente doente e que regrediu séculos no espaço de uma década. O capitalismo evoluiu (e continua) no sentido de um novo feudalismo, em que os Senhores têm cada vez mais e todos os outros, da classe média (inclusive) para baixo, têm cada vez menos. 

O que fazer em relação a isto? Há quem diga que a solução é nem pôr os pés nas urnas nas próximas eleições, porque "eles" são todos iguais e já nada adianta nada. Já nada adianta nada é o que os 1% querem ouvir das vossas bocas.  Eu digo que está na hora de abrir os olhinhos, saber digerir o que nos é passado nos media e na internet e separar o trigo do joio, reconhecer quando nos tentam manipular. É tempo de reconhecer que o voto útil e a abstenção só nos têm mantido na mesma situação de 4 em 4 anos desde que nasci, pelo menos. 

O medo da mudança tem beneficiado imenso aquele 1% da população que vive como Jorge Mendes. Se há pessoas que têm tanto, porque é que outros têm de ter tão pouco? Há partidos que se colocam essa pergunta. E não são certamente o PSD, o CDS-PP nem o PS. Está na hora de ganhar coragem e votar diferente. É tempo de perder o medo "dos outros" e de ver o serviço que têm para nos prestar.


A qualidade da educação dada às classes inferiores deve ser a mais pobre, de maneira que a brecha da ignorância que afasta as classes inferiores das classes superiores seja e permaneça incompreensível para as classes inferiores. Com tal incapacidade, até os melhores elementos das classes inferiores terão pouca esperança de se separar do papel que lhes foi destinado na vida. Esta forma de escravidão é essencial para manter um certo nível de ordem social, paz e tranquilidade para as classes superiores dirigentes.

in Silent Weapons for Quiet Wars